Se a moeda única ultrapassar a barreira de 1,4 dólares, o impacto nos países europeus “será devastador”, diz nobel da economia.
Bruno Faria Lopes e Luís Reis Ribeiro
Diário Económico,2006-12-13
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A economia portuguesa enfrentará sérias dificuldades se o euro ultrapassar o valor de ‘segurança’, que rondará 1,4 dólares. As exportações, referidas como a variável crucial para garantir uma retoma sustentada, poderão sofrer um sério revés com a apreciação da moeda única, mesmo que esta não seja abrupta, temem os economistas ouvidos pelo DE, que se mostraram bastante desconfortáveis com o fôlego recente da divisa europeia. A tendência de subida do euro está dependente, entre muitos factores, da urgência das autoridades norte-americanas em reduzir os gigantescos desequilíbrios externos (défice comercial e défice público).
O mérito maior decorrente de um euro elevado é que as economias europeias não importam nem tanta inflação, nem tantos atritos para o crescimento, no actual contexto de energia cara. É que o petróleo está denominado em dólares. Mas, insistem os economistas, esta situação serve mal as grandes economias exportadoras (Alemanha e França), e pior ainda Portugal, que tenta afastar-se de uma longa crise.
Luís Mira Amaral, presidente do Fórum para a Competitividade, está bastante pessimista com o actual cenário. “Se o euro continuar a subir temos razões para ficar realmente preocupados. O pior é que é do interesse dos Estados Unidos que o dólar continue a descer”, diz. Para o ex-ministro da Indústria de Aníbal Cavaco Silva, “não parece que as empresas estejam preparadas para um euro muito forte”. “O aumento das exportações para fora da zona euro está ligado a um efeito de volume e pouco a efeitos de competitividade. Os mercados emergentes, para onde Portugal hoje exporta, estão a crescer tanto, que não podia ser de outra forma”, acrescenta, insistindo que “no global continuamos a perder quotas de mercado no comércio externo”.
Eduardo Catroga, presidente da Sapec, também está apreensivo. “Diria que o euro sairá da sua taxa de equilíbrio se ultrapassar a casa dos 1,3 dólares, o que coloca algumas interrogações, sobretudo na dinâmica dos grandes exportadores, como a Alemanha”. Segundo o ex-ministro das Finanças, a indústria automóvel e de máquinas poderá ser das mais penalizadas.
Crónica de uma queda anunciada
Embora os receios de uma queda abrupta do dólar se devam a desequilíbrios estruturais da economia norte-americana, a desvalorização verificada nas últimas semanas tem sido motivada por uma questão conjuntural. Ambas levam a crer que a quebra na moeda dos EUA é para continuar em 2007, com alguns a preverem que o euro possa cotar entre os 1,4 e os 1,5 dólares.
“A presente subida do euro face ao dólar, dos 1,25 para os cerca de 1,33 dólares, tem origem na política monetária”, indica Brian Fabbri, economista do BNP Paribas em Nova Iorque. “O cenário de abrandamento nos EUA abre expectativas de um corte nos juros por parte da Fed, ao passo que na zona euro os sinais são de crescimento sólido, com o BCE a indicar que irá voltar a subir os juros”, explica Fabbri.
Os receios de uma queda mais abrupta prendem-se, no entanto, com um factor de carácter estrutural. “Dado o nível elevado do défice externo norte-americano [cerca de 6,5% do PIB] é de esperar que o dólar desvalorize de forma a fechar esse desequilíbrio”, aponta Ricardo Reis, economista da Universidade de Princeton.
O grande fosso entre as importações e as exportações na maior economia do mundo leva a que a procura de dólares seja menor que a de outras moedas o que, de uma forma natural, faria o valor do dólar descer no mercado cambial.
Contudo, ao longo dos últimos anos, as economias asiáticas - com destaque para o novo protagonista da região, a China - têm alterado de forma parcial a lógica do jogo. “O grande défice da balança comercial dos EUA é sustentado pelo influxo de capitais das economias asiáticas, que estão a crescer rapidamente”, refere Ricardo Reis. A China detém o maior montante de reservas do mundo, cerca de um bilião de dólares, sendo que os analistas estimam que 70% deste valor esteja investido em obrigações de longo-prazo do Tesouro norte-americano.
O grande ponto de interrogação está em saber quando e quanto irá cair o dólar, questão que passa pela saúde da economia dos EUA e pela confiança que inspira nos seus principais credores. “Se a China ou o Japão perderem a confiança na economia norte-americana poderão reduzir a exposição a activos em dólares, o que provocará uma desvalorização súbita”, diz Ricardo Reis. A queda verificada até agora foi suficiente para os principais países exportadores de petróleo diversificarem o risco cambial e reduzirem de forma ligeira a exposição ao dólar.
A tendência natural que o dólar terá para deslizar, associada à nova preferência asiática e petrolífera pelo euro terá consequências, em especial na Europa. “Acho que não é necessariamente um problema dos EUA”, explicou recentemente ao DE Robert Mundell, Nobel da Economia. “É-o sobretudo para o resto do mundo e, em particular, para a área do euro. Seria devastador para a competitividade europeia se o euro disparasse até 1,4 ou 1,5 dólares”.